Carlson e Rudimar: os maiores formadores de campeões da história do MMA

Publicada: 10/10/2023 - 13:26


Rudimar e Carlson serão homenageados por sua contribuição para a construção do MMA (Foto Marcelo Alonso)
Rudimar e Carlson serão homenageados por sua contribuição para a construção do MMA (Foto Marcelo Alonso)

* O talento individual e o alto nível dos treinamentos são fatores fundamentais para a formação de um campeão, mas em um esporte complexo e cada vez mais competitivo como o MMA, o preparo mental pode ser o fiel da balança.

Nestes 31 anos que venho cobrindo artes marciais, dois treinadores chamaram a minha atenção, não só pela capacidade acima da média de garimpar e formar talentos, mas principalmente pela maneira com que blindavam seus atletas mentalmente: Carlson Gracie e Rudimar Fedrigo. Curiosamente, os dois trabalhavam de maneiras bem distintas, mas o resultado final costumava ser o mesmo. E os números comprovam, afinal, nenhum outro treinador na história formou tantos campeões e mestres (formadores de novos campeões) quanto esses dois.

Filho mais velho de Carlos Gracie, Carlson Gracie herdou do pai uma verdadeira paixão pelas rinhas de galo. “Os galos são os únicos no reino animal que brigam por instinto e só param quando perdem os sentidos”, costumava justificar orgulhoso o mestre ao explicar o motivo de ter escolhido um galo como símbolo de sua primeira academia. Por mais absurda que seja a atividade, é inegável que foi nela que Carlson buscou inspiração para forjar seus campeões dos tatames e ringues. Entre milhares de apelidos e gírias importados das rinhas para o mundo da luta, o mestre adorava “eriçar seus galos”. Muitas vezes criando “fofocas internas” para esquentar os treinos, toda vez que percebia um excesso de amizade entre os alunos, o que em sua opinião abalava o espírito competitivo, essencial para manter o treino em alto nível e permitir que tirasse o melhor de cada atleta.

Algum psicólogo esportivo pode até discordar da metodologia politicamente incorreta, mas os fatos mostram que o “modus operandi Carlsoniano” funcionava. Basta dizer que sua equipe dominou quase totalmente as competições de Jiu-Jitsu por mais de 20 anos. E posteriormente, foi a mais bem-sucedida na migração dos tatames para os ringues. Que o digam Vitor Belfort, Murilo Bustamante, Allan Góes, Marcus Conan, Carlão Barreto, Wallid Ismail, Libório, Zé Mário Sperry, Andre Pederneiras, Amaury Bitetti, Crezio Souza, Ricardo Arona e tantos outros lutadores formados no QG da Figueiredo de Magalhães.

Apesar de não ter nenhuma relação com a família Gracie, o líder da equipe paranaense Chute Boxe, Rudimar Fedrigo, sempre agiu de maneira semelhante, mas seu foco principal era fazer os comandados terem orgulho visceral de representarem a equipe, sendo capazes de matar e morrer pela bandeira da academia. Com o “HEEEYYY” importado de eventos de Muay Thai na Tailândia, Rudimar criou um grito de guerra que virou marca registrada da equipe. Não foram poucas as vezes que, cobrindo os treinos de Wanderlei e Shogun, vi membros da equipe contendo a emoção após os discursos emocionados que o “mestrão” fazia ao final dos treinos, sempre fortalecendo a união entre os atletas da equipe.

O isolamento era outra peculiaridade de Rudimar, que preferia trabalhar seus atletas sem contato com outras equipes, inclusive os impedindo de ver fitas dos oponentes. “O atleta da Chute Boxe é preparado para tudo, não tem que ficar vendo fitas das vitórias do oponente que possam ‘plantar grilos’ em suas cabeças”, dizia o mestrão. A metodologia anti-grilos do criador da Chute Boxe chegou a ser questionada por muitos, mas os resultados de seus alunos Pelé Landy, Wanderlei Silva, Maurício Shogun, Murilo Ninja, Anderson Silva e Rafael Cordeiro falavam por si só.

E não foi por acaso que os principais capítulos dos 10 anos da era PRIDE foram marcados pela rivalidade entre a equipe de Rudimar e a Brazilian Top Team (BTT), formada a partir da separação entre Carlson e alguns de seus discípulos. Mas curiosamente, Carlson e Rudimar só estiveram em lados opostos numa luta uma única vez. Na luta entre Wanderlei Silva e Vitor Belfort no UFC 17.5 em 1998, vencida por Belfort. Logo depois houve o racha e seus alunos formaram a BTT. Revoltado com os dissidentes, Carlson chegou a ligar para Rudimar oferecendo apoio sempre que houvesse confronto direto. Fedrigo agradeceu achando melhor não botar mais tempero naquela guerra. Assim os dois continuaram amigos até 2006, ano do falecimento de Carlson.

O fato é que seja “eriçando galos” ou “plantando grilos” o resultado do trabalho destes dois gênios do esporte continua presente nas principais equipes do mundo através de treinadores formados por eles. Na maior equipe de MMA do mundo, a ATT (Flórida), por intermédio de Marcus Conan Silveiro (headcoach), Marcus Parrumpinha Da Mata (treinador de Jiu-Jitsu) e Katel Kubis (Muay Thai); na Kings MMA (Califórnia), de Rafael Cordeiro (discípulo direto de Rudimar) ou na Alpha Male de Fábio Pateta (treinador de Jiu-Jitsu e discípulo de Carlson). No Brasil o DNA Carlson Gracie está presente na Nova União (de André Pederneiras), Team Nogueira (de Rodrigo e Rogério Nogueira, discípulos de De La Riva, aluno de Carlson) e dezenas de outras. Já em Curitiba, além da Chute Boxe (do mestre Rudimar), tem a CM System (do seu discípulo Cristiano Marcello) e a Evolução Thai (de André Dida).

Com a evolução constante do esporte, definitivamente formar campeões tem sido uma tarefa cada vez mais complexa. Mas com tantos professores que tiveram a oportunidade de beber água direto da fonte, esta cada dia mais difícil encontrar campeões que não tenham em seu DNA alguma influência de Carlson Gracie e Rudimar Fedrigo.

Carlson e Rudimar homenageados no Prêmio Melhores do Ano nas Artes Marciais 2023

Considerados os maiores formadores de campeões de MMA da história, Carlson e Rudimar serão homenageados no Prêmio Melhores do Ano nas Artes Marciais 2023, uma iniciativa do Sindilutas com o apoio da Prefeitura do Rio. A primeira edição do evento está marcada para o dia 23 de outubro, na Cidade das Artes, Barra da Tijuca-RJ, e tem o intuito de valorizar e reconhecer grandes nomes dos esportes de combate da “Cidade Maravilhosa”.

A dupla, porém, fará parte de uma premiação especial, por sua importância para a construção das artes marciais mistas como conhecemos hoje.

  • * Texto por Marcelo Alonso

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