Zé Roberto: trabalho de graça em Barueri e preocupação com a base do Brasil

Publicada: 15/01/2020 - 15:47


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FIVB Divulgação

Em entrevista ao jornalista Alessandro Lucchetti, do blog Mundo Olímpico, do Yahoo, publicada esta semana, o técnico do São Paulo/Barueri e da Seleção Brasileira Feminina, José Roberto Guimarães, fez um resumão da carreira e conversou sobre tudo: Atenas-2004, Pequim-2008, Londres-2012, Rio-2016, os dias difíceis pós Grécia por conta da fama “amarelonas”, as dificuldades esperadas em Tóquio-2020, falou da dificuldade de revelar novas jogadoras, de como a crise econômica do país impacta nas categorias de base.

O treinador revelou também que trabalha de graça no Barueri e contou detalhes de como ingressou na Seleção Masculina, no início dos anos de 1990 – onde deu início à vitoriosa carreira que inclui o fato de ser o único tricampeão olímpico do esporte brasileiro (Barcelona-1992 com a Seleção Masculina e Pequim-2008 e Londres-2012 com a feminina) e único técnico no mundo a ser campeão olímpico com seleções dos dois naipes.

PREPARAÇÃO OLÍMPICA

Fico muito envolvido com toda a logística de preparação para os treinos e jogos. O resto, as demais coisas, dependem muito do universo. Olimpíada é um campeonato totalmente diferente dos outros. Ninguém pode se machucar. Não pode ter problemas dentro do grupo…não pode haver absolutamente nada. Você tem que estar inteiro e tudo deve estar conspirando a seu favor.

TÓQUIO-2020

Vai ser uma das Olimpíadas mais difíceis pro Brasil. Mas para todo mundo, não só para o Brasil. O nível de dificuldade é semelhante ao apresentado em outras edições dos Jogos. Não acho que seja diferente das outras não. Nunca foi fácil. Quando fomos pra Pequim, a gente vinha de uma derrota difícil em 2004. Tínhamos que provar pra todo mundo que o nosso time era de brio, de caráter, que tinha muita coisa boa. Foi um ciclo muito difícil. Havíamos perdido a final do Mundial pra Rússia, havíamos perdido a final do Pan pra Cuba…Vínhamos de pouquíssimas derrotas. Estávamos completando um quadriênio bom em termos de vitórias e de derrotas pontuais. Mas a cada derrota éramos tachados como um time de amarelões.

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Zé Roberto Guimarães durante a Copa do Mundo deste ano (FIVB)

A VIDA DEPOIS DO “24 A 19” DE 2004

Nós não tínhamos o know-how que os outros times tinham em termos de preparação para grandes eventos. Essa situação de termos pouca gente no nosso time atuando em clubes de fora do Brasil, inclusive treinadores, isso nos prejudicava. Era o meu caso. Pude sair do Brasil (em 2006) e treinar times no exterior (na Itália e Turquia). Pude treinar estrangeiras e jogadoras que atuavam fora do Brasil, pude enfrentar algumas outras. Foi um aprendizado e um parâmetro que tivemos em Pequim (2008) e que não tínhamos em Atenas (2004). A gente sempre estudou muito, víamos vídeos aqui do Brasil. Sempre teve muito estudo. Mas nunca fomos in loco participar de tudo aquilo. Quando a gente teve essa possibilidade, e estou falando dos três treinadores – Claudinho foi pra Turquia, Paulinho foi pra Espanha e eu, pra Itália – saindo pra viver novas experiências. Vimos o mundo inteiro jogando vôlei. Aí o parâmetro que tivemos foi muito diferente. Tudo mudou.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Treinar jogadoras adversárias foi muito benéfico. Treinar as brasileiras – a Sheilla em Pesaro, a Mari no ano seguinte, a Jaqueline tava em Jesi – teve muitas coisas que elas vivenciaram. Antigamente não tinha nenhuma jogadora brasileira atuando fora do País, elas não viviam outras experiências. Isso acrescenta muito. Tudo serviu pra gente entender, pra gente aprender. Quando chegou a Olimpíada, eu tinha certeza de que tínhamos time para brigar contra qualquer seleção do mundo. Eu vinha dizendo isso. Haja visto o que aconteceu no Mundial, no Pan, no Grand Prix… A gente sempre estava brigando entre as melhores do mundo. Mas sempre tinha uma chacota, né? “Time de amarelonas” e tal. No entanto, eu sabia que era uma questão de tempo pra gente chegar. Tudo é aprendizado. A Fofão saiu pra jogar fora. O fato de você ter tido essa experiência de estar jogando em outros ambientes, com essas jogadoras que enfrentará depois, em futuros confrontos de seleções, te dá uma segurança… Poxa, estou aqui do lado delas… Isso te coloca num patamar de confiança. Isso que aconteceu, na realidade. Vivenciamos outras experiências – os treinadores da comissão técnica e as jogadoras. Fomos crescendo no quesito emocional, psicológico do jogo.

LONDRES-2012

Depois de toda grande vitória, é preciso tomar um cuidado muito grande. Foi assim no masculino (depois de Barcelona-92) e no feminino também. Muda todo o enfoque. Ganhou-se, e aí tem um glamour. Nesse momento, precisamos adotar cuidados. Você não pode parar de treinar, porque, afinal de contas, é do time a ser batido. Seu time é o parâmetro. Ser bicampeão, dentro desse contexto… É mais difícil ainda. O Brasil sofreu muito pra ganhar esse bicampeonato. E imagine depois desse bicampeonato…

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O bicampeonato em Londres-2012 (FIVB)

RIO-2016

Aquela derrota pra China (na Rio-2016) foi para o time que depois se sagrou campeão olímpico. E foi no tie-break, por 15/13… (silêncio)

RENOVAÇÃO

As pessoas falam muito nessa coisa de renovação…Muitas vezes fico surpreso com certos raciocínios. Se você olhar pra outras modalidades, vai ver que um dos melhores jogadores de tênis hoje tem 38 anos (Roger Federer). Existe maior longevidade no esporte hoje. E é muito subjetivo isso. A gente sempre renovou quando foi necessário renovar. Por exemplo: a Mari disputou a Olimpíada de 2004 com 19 anos. A Natália chegou à seleção adulta com 16 anos. Hoje ela tem 30, e não acho que seja uma jogadora velha. Não se deve simplesmente trocar o velho pelo novo, mas o pior pelo melhor. Vejo da seguinte forma: qual é a performance de determinada jogadora mais velha? Tá rendendo mais do que a mais nova? Devemos chamar as que estão melhor. Se a mais nova está melhor, tem que ir a jovem. Se a mais velha estiver melhor, vai ela.

AS JOVENS VÃO DESBANCAR AS VETERANAS?

É uma questão de tempo, de gerações. Nem todas elas são talentosas. Caso contrário, a Itália, depois daquela geração dos fenômenos (Zorzi, Cantagalli, o excepcional Lucchetta, Tofoli, Giani, Papi…) haveria uma outra e a Itália nunca mais pararia de vencer. Então é uma coisa de geração… particularmente, acho que teremos uma boa geração para 2024 e 2028.

CICLO PROBLEMÁTICO

Tivemos neste ciclo muitos problemas. Nunca conseguimos montar um mesmo time para os campeonatos que jogamos. E aí entra uma situação, aquilo que acontece na vida de cada uma das jogadoras. Existem escolhas pessoais, de se tornarem mães, de casarem. No feminino tem muito disso.

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O primeiro ouro com a Seleção Feminina, em Pequim-2008 (FIVB/Divulgação)

PEDIDOS DE DISPENSA

Não é qualquer jogadora que consegue jogar na seleção. Jogar no clube é uma coisa e jogar na seleção é outra. Não é qualquer uma que consegue aguentar a pressão na seleção. Algumas delas preferem ficar fora. Nunca ouvi falar tanto em depressão como neste período que vivemos agora. Esse fenômeno não era tão comum no nosso dia a dia. Hoje ouço muito falar: “pô, estou deprimido”. E isso não é só no esporte não.

ADEUS EM TÓQUIO

É o momento de viver minha vida. Dediquei metade da minha vida à seleção. É o momento de dizer adeus. Tudo na vida tem começo, meio e fim. O importante é o trabalho que foi feito. É vida que segue.

INDICAÇÃO DO PAULO COCO

Acho que o Paulinho é um cara que tá pronto. É um cara que tem feito um grande trabalho no Praia Clube. Trabalhou comigo durante anos, conhece todo o vôlei internacional. É um técnico excepcional. Ele trabalhou comigo pela primeira vez no Banespa, em 96. A gente foi vice-campeão brasileiro. Depois fomos juntos pro Dayvit. Aí depois fui pro Corinthians (em 99, Zé Roberto foi trabalhar no Parque São Jorge, como diretor de futebol da Corinthians Licenciamento Ltda, empresa formada a partir de uma parceria entre o clube alvinegro e o fundo de investimentos norte-americano Hicks, Muse, Tate and Furst Incorporated. Depois disso, o treinador de vôlei foi atuar no futebol do Cruzeiro). Após a experiência no futebol, fui pra Osasco (com patrocínio do BCN e posteriormente do Bradesco). Lá, em quatro anos, fui três vezes campeão brasileiro e tive um vice, no primeiro ano. Aí um diretor, o Celso Barbuto, me disse que eu teria de optar entre a seleção e o time de Osasco. Respondi que meu sonho era conquistar uma medalha de ouro pelo feminino. Foi quando optei pela seleção nacional. Aí o Paulinho ficou um ano no meu lugar. Depois acabou saindo. Naquele momento entrou essa comissão técnica que está aí até hoje lá (comandada por Luizomar de Moura).

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Paulo Coco e Zé Roberto são companheiros na seleção (FIVB)

CAMPEÃO PAULISTA

O trabalho aqui (em Barueri) é muito voltado para a base. Ele tem um cunho social importante. É preparação, desenvolvimento das categorias de base. Hoje, no time adulto, temos sete jogadoras que vieram da nossa base. A partir deste mês de janeiro, cinco delas continuam disputando competições de suas categorias, concomitantemente ás do adulto.

TRABALHO VOLUNTÁRIO EM BARUERI

É o terceiro ano em que trabalho de graça, é trabalho voluntário aqui (em Barueri). A gente tem que fazer alguma coisa. Não podemos simplesmente cruzar os braços. Barueri tinha um trabalho muito bom na base até 2015. Naquele ano, o município passou por um problema financeiro e resolveram acabar com todo o esporte de alto rendimento da cidade. Aí eu tava assistindo a um treinamento de seleções brasileiras de base e comecei a perguntar de onde as meninas eram. Fiquei sabendo que sete delas, entre as seleções sub-18 e sub-20, eram oriundas das categorias de base daqui de Barueri. Aí pensei, ‘’pô, esse trabalho não pode acabar. É muito bom, tem DNA. Quem sabe não consiga retomar esse trabalho, conversando com o pessoal da prefeitura?” É um grupo formado por Betão, Betinho, Carlinhos, Serginho, Adroaldo…São caras do vôlei, que hoje são funcionários da prefeitura. Há muitos anos construíram os alicerces do vôlei de Barueri. E permaneceram durante muito tempo. Esse trabalho tinha acabado. Aí fui conversar com o prefeito e com o secretário de esportes e pedi ajuda pra retomar o trabalho. Aí ele me cedeu o Ginásio do Engenho pra base. Montei uma peneira e apareceram 463 meninas. Agora estamos no terceiro ano deste projeto. Neste terceiro ano, fomos às finais de todas as categorias que disputamos. Foi muito bom. Fomos vice (estaduais) no sub-17 e sub-19 e campeões no sub-21 e adulto. O São Paulo nos ajuda com uma verba para o adulto, que não é muita, mas ajuda. Quem nos ajuda na base é a Epson.

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Campeão Paulista da temporada 2019/2020 (Rubens Chiri/Divulgação)

DEPOIS DE TÓQUIO…

Não sei, tenho propostas de outros trabalhos. Tenho que pesar isso. Mas a minha preocupação, meu foco, agora, é a seleção.

RÚSSIA?

Convite existe. Mas não sei… Minha cabeça hoje tá voltada pra Olimpíada, pra essa renovação que estamos buscando. Não tenho nem cabeça pra pensar nisso.

TRABALHO DA BASE

O grande problema que enfrentamos hoje é um problema natural, que ocorre no nosso país. Tudo depende da economia. Estamos sofrendo em tudo. Não é um problema exclusivo do vôlei. Todas as modalidades, todos os setores da nossa vida: na educação, na saúde, na cultura, na segurança…Temos falta de investimento em tudo. Estamos sofrendo por causa da nossa economia. Mas existem abnegados que trabalham. Há clubes que trabalham, que tentam fazer, que vão atrás de jogadoras com bom biótipo, talentosas. Temos jogadoras interessantes aparecendo aí. Muita gente cobra resultados na base. Resultados na base, muitas vezes, não mostram nossa realidade. O ideal é que tenham resultados no adulto.

CANDIDATAS AO OURO EM TÓQUIO

Temos hoje três seleções candidatas à medalha de ouro. China – o campeonato chinês está terminando agora. Procuraram fazer uma competição mais curta para dar mais tempo pra seleção treinar. Temos a Sérvia e os Estados Unidos também. A Itália corre por fora e o Brasil também. Uma medalha seria importante. Mas o time do Brasil tem condições de brigar com qualquer time do mundo pelo ouro. A gente fala que na Olimpíada tudo pode acontecer.  O importante é a paixão. A paixão não diminui nunca. Não pode. Esse amor pelo esporte é muito grande.

O INÍCIO NA SELEÇÃO MASCULINA

Em 91 as coisas não tinham andado tão bem na seleção masculina. Aí o Nuzman me chamou pra assumir a seleção masculina adulta. Teve episódios antes. O Bebeto um dia me chamou e disse que precisávamos tomar uma decisão. Ele me deu duas opções: ou você permanece como assistente técnico na seleção masculina adulta ou você pega a seleção infanto masculina. Ele pediu pra eu não responder naquela hora. Íamos começar a treinar pro Sul-Americano de 89. Aí me pediu pra pensar e responder em Curitiba. Na metade do Sul-Americano, anunciei minha decisão. Disse que o assistente dele era o Bernardo (Bernardinho), não eu. Tinha ido preencher uma lacuna, mas queria começar minha vida como técnico. Aí ele ficou de passar isso pro Nuzman, e pediu pra que filmassem pra mim o Sul-Americano infanto para eu fazer a convocação dos meninos da sub-16. Mas o Bebeto era muito supersticioso. Como ganhamos da Argentina, e eu cantava o saque, ele virou pra mim na noite em que conquistamos o Sul-Americano e me disse que eu não ia mais pra seleção infanto. Disse que ia ficar com ele na seleção adulta. Eu disse que ele era o chefe, era quem mandava, mas pedi pra ele comunicar aquela decisão ao Nuzman. Porém, as coisas estavam meio complicadas entre Nuzman e Bebeto (como se pode ler na biografia de Bebeto, escrita por Ricardo Valesi). Em 90 fizemos o Mundial, o Nuzman acompanhou nosso trabalho. A comissão era Bebeto, Jorjão (Jorge Barros de Araújo) e eu. Aquela nossa garotada foi muito bem. Eles eram muito jovens e perdemos para um supertime italiano por 3 a 2 na semifinal. O Bebeto, que fez um baita trabalho, depois decidiu ir pra Itália. A seleção então foi desfeita. Para a seleção infanto masculina foi o Marcos Lerbach. Aquela era a seleção do Marcelo Negrão, que foi o melhor jogador do Mundial da categoria, que vencemos. O Paulo Márcio, que era o braço-direito do Nuzman, disse que tinham que aproveitar o Zé, que eu não podia ficar fora. O Marco Aurélio tava na seleção adulta feminina e resolveu me colocar nas seleções femininas de base do Brasil. Eles não achavam que eram bons times, mas eu achava que eram. Aí fomos vice-campeões mundiais nas duas categorias. O Nuzman não viajou pra ver esses campeonatos, mas me ligou. Ele me parabenizou, disse que o trabalho tinha sido uma beleza, disse que a classificação para aquelas duas finais era inesperada. A seleção masculina adulta atravessava um período conturbado. Aí resolveram me chamar.

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O primeiro ouro olímpico, com a Seleção Masculina, em Barcelona-1992 (Divulgação)

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